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Aqui procuro falar de forma simples a respeito de assuntos que de alguma forma tangem à Geografia. Sim, a Geografia que por muitos é considerada simples decoreba, chata e ainda sem sentido. Não quero provar nada, apenas demonstrar que a Geografia está presente em coisas simples e que no final torna-se de essencial importância entender um pouco sobre a organização da sociedade no espaço. O Espaço, um dos conceitos fundamentais da Geografia e é nele que você vive, se reproduz e assiste a vida passar, exatamente neste palco chamado Espaço.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

África pelos africanos: senso e dissenso

A análise da conjuntura africana feita sob a perspectiva da população autóctone seria a mesma que fazemos dela no mundo ocidental? Para nós, trata-se de um continente privilegiado em sua formação físico-geográfica ao mesmo tempo que habitado por povos bárbaros, portanto, inferiores. O antropocentrismo inspirador da expansão do capitalismo comercial sobreviveu graças à sua capacidade de adaptação, adentrando o capitalismo industrial e monopolista e ganhando novos contornos na fase globalizada contemporânea.

Nos amplos e imponentes salões de alguns poucos palácios do norte, entre os séculos XIV e primeira metade do século XX, nos poderosos gabinetes e escritórios, em prestigiadas academias, bem como nos barulhentos estúdios midiáticos e salas de redação jornalística, ao longo da segunda metade do século XX, proclamam-se a potencialidade dos recursos naturais e a incipiente força política das sociedades africanas. A primeira enche os olhos, a segunda inspira estratégias para que essa potencialidade se materialize em polpudas contas bancárias.

Um vasto maciço de mais de trinta milhões de quilômetros quadrados, localizado, a maior parte em latitudes tropicais, onde se situa o “escândalo geológico” cunhado pelos franceses, estaria fora da globalização? Jacques Derridá, que trabalhou com o conceito de presença e ausência, certamente diria que não. Como tamanha presença – os recursos naturais e a tropicalidade ausente nos países centrais – seria ignorada? Dificuldade de acesso à terra e ao alimento, negação do direito de usufruir das conquistas tecnológicas da humanidade, ainda que as mais elementares, expropriação dos bens disponibilizados pela natureza, não significam exclusão do processo de globalização. Exclusão da globalização, portanto ausência, seria uma forma de negar o conceito de aldeia global, cunhado por McLuhan.

Dialeticamente, a presença da globalização pode ser observada nas assombrosas imagens dos flagelados da seca, nos esquálidos rostos famintos, no desespero dos que vivenciam a morte anunciada pela AIDS, na desesperança dos que plantam e não saciam a sua própria fome, nos olhares realistas de quem só conheceu a indiferença. Milhões de africanos, há séculos, vivem o processo de globalização e sua versão contemporânea imputa-lhes uma responsabilidade quase que sádica: a melhora de suas condições presentes e futuras depende deles mesmos.

A presença do continente africano no mundo ocidental é sutil: minérios transfigurados em máquinas e utensílios, edificações onde jazem o trabalho morto de inúmeros operários negros, culinária, danças e ritmos musicais exóticos. Mas é também forte e assustadora: guetos, favelas, ameaças ambulantes nas ruas das grandes cidades, massas humanas mofando nas celas e presídios.

Como é vista e sentida a presença dos maestros da globalização em solo africano? Como os habitantes nativos convivem interiormente com as ausências impostas pelos ritmos e movimentos dos forasteiros? Como recompor sentimentos e emoções que sua presença deu conta de transformar em ausências? Como será a sensação de se perder referenciais históricos de organização social e econômica? Como será a sensação de se ver rivalidades tribais transformadas em formas institucionalizadas de dominação, com apoio de quem veio e de quem continua vivendo fora?

“No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho.” A constatação poética de Drumond ecoa na atmosfera africana e como sentimentos e emoções não têm fronteiras, muitos já os captaram. O continente africano, que Mercator cartografou como localizado no centro de três outros continentes que o consideram simplesmente como uma pedra, dá sinais de que vem sendo percebido pelos autóctones não mais como um maciço, mas como chão – o nosso chão. E quem dá significado ao chão é quem nele vive. As palavras de Hossam el-Hamalawy, um jovem jornalista e blogueiro egípcio do site 3arabawy, sobre o atual conflito político em seu país, traduzem o espírito daquele povo, cada vez mais eivado de africanidade: “A realidade é que, qualquer governo realmente limpo que chegue ao poder na região, entrará em um conflito aberto com os EUA, porque proporá uma redistribuição racional da riqueza e terminará com o apoio a Israel e a outras ditaduras. De modo que não esperamos nenhuma ajuda dos EUA. Só que nos deixem em paz”. (Carta Maior, 31/1/2011)

Izabel Castanha Gil é professora de geografia do ensino médio do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS) e superior das Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI), em Adamantina/SP. Doutora em geografia pela UNESP/Presidente Prudente/SP.

Referências:

Blog de Hossam el-Hamalawy: http://www.arabawy.org/blog/

CONCEIÇÃO, José Maria Nunes Pereira. África, um novo olhar. Cadernos CEAP. Rio de Janeiro: Espalhafato, 2006, 88p.

PENNAFORTE, Charles. África: globalização da miséria e privatização dos lucros. Disponível em http://charlespennaforte.pro.br/portal/. Acesso em 30/1/2011.

TORRES, Adelino. A África nas ambiguidades da globalização. Acesso em 30/1/2011. Disponível em http://www.cenegri.org.br/ead/


Fonte: GSF

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